Página inicialBlog Escolha VerdeExpedição Médica no sertão promove encontros e mudanças

Expedição Médica no sertão promove encontros e mudanças

 002Encontros. É disso que é feita uma missão humanitária. No caso da Expedição Médica VV-Dharma, acrescente ‘e de muitos deslocamentos’. Nos dez dias, desde a chegada em Petrolina/PE, até o retorno marcado para o próximo domingo, os voluntários seguem uma rotina criteriosamente planejada. Nos primeiros cinco dias, a base foi uma escola na Vila do Mel, região da Serra do Inácio, município de Betânia do Piauí/PI. O alojamento nas salas de aula exigiu senso de adaptação e coletividade. Vinte e oito pessoas de fora e mais quinze residentes na vizinha Acauã, que cuidam da alimentação do grupo, tiveram que dividir apenas dois banheiros. É uma realidade que surpreende quem vem de fora, mas que fica muito acima dos níveis de conforto, higiene e bem estar pessoal da vivida pela maioria dos moradores do sertão. Agora, já na segunda fase da expedição, os voluntários dormem num hotel em Paulistana, a maior cidade desta microrregião, de onde partem para os atendimentos nas comunidades do interior.
Pau de arara resiste como o transporte coletivo no sertão.

Pau de arara resiste como o transporte coletivo no sertão.

Trafegar pelas estradas de terra e pedras é, na própria experiência, um aprendizado. Nossa equipe sobe em caminhões pau de arara, normalmente muito velhos e adaptados para o transporte de passageiros – e que teimam em desafiar o bom senso – para chegar a pontos remotos do sertão nordestino. No mesmo dia o transporte pode ser em automóveis alugados ou numa carroceria de camionete. O importante é chegar cedo. A equipe de triagem é sempre a primeira a abrir o trabalho. E já entra no posto em meio a uma fila formada. Muita gente também veio em paus de arara, motos, a pé, de comunidades distantes para conseguir uma consulta com oftalmologista, para ir pela primeira vez a um dentista.

Wagner Santos é de Manaus, mas trabalha no interior da Bahia. Faz a primeira missão humanitária como médico oftalmologista.

Wagner Santos é de Manaus, mas trabalha no interior da Bahia. Faz a primeira missão humanitária “de muitas” como médico oftalmologista.

Durante as conversas o choque de realidades só aumenta. Jovens e profissionais mais experientes vão adaptando as questões que precisam ser respondidas na ficha de cadastro. Meio de transporte? Pergunta logo se tem moto ou jumento em casa. Complicado mesmo é quando a pergunta é sobre o número e refeições ao dia… há sempre alguém que baixa o olhar, fala baixinho… sente vergonha de ter se acostumado a conviver com fome.  Os itens idade e data de nascimento também são de difícil resposta. Quando não se tem documentos, como confiar na memória de um pai ou avô? A resposta “acho que uns ‘tantos’ anos” é só uma das consequências da falta de acesso à educação de qualidade. Outras consequências são as doenças geradas a partir da falta de saneamento básico e de acesso garantido a água potável. Há um certo descompromisso com a saúde. Dores ou algum mal estar vai com o tempo sendo encarado com certa resignação. Mas quem pode criticar, se em muitas casas não há fossa e a água vem de cacimbas ou  ‘barreiros”, grandes buracos cavados no quintal?
“Medicina em áreas remotas consiste em trabalhar com recursos limitados, sob condições extremas e em situações adversas. Se você não tiver esta resiliência e essa adaptabilidade é impossível trabalhar e obter resultado.” Karina Oliani

Karina Oliani faz selfie com Beta Recorder e a pediatra Karina Carneiro Branco. Três voluntárias que integram a Expedição Médica pela segunda vez em trajeto para visita domiciliar no sertão.

Karina Oliani faz selfie com Beta Recorder e a pediatra Karina Carneiro Branco. Três voluntárias que integram a Expedição Médica pela segunda vez em trajeto para visita domiciliar no sertão.

O aviso foi dado já no início das atividades pela médica Karina Oliani, coordenadora clínica da Expedição, vice-presidente do Instituto Dharma, e com treze anos de atuação nesse tipo de atendimento. “Minha primeira missão foi na época da faculdade, em Santa Rosa do Piauí, região ainda mais pobre que aqui, também no sertão piauiense.” Quando se trabalha sem as condições ideais de um centro cirúrgico ou com a possibilidade de exames de maior complexidade a resposta precisa ter ainda mais assertividade.”
As condições até assustam, mas não afastam os profissionais. Dos 23 voluntários que estiveram aqui no ano passado, treze estão de volta. A equipe atual tem 29 pessoas, sendo 15 profissionais de especialidades da área da saúde e mais dois estudantes de medicina. Entre os “veteranos” prevalece o trabalho com propósito. “Há um gosto de aventura, de conhecer o diferente em lugares inóspitos, mas o sentido de voltar é mesmo a possibilidade real de ajudar esse povo tão carente e que na maioria das vezes, só com a nossa ação tem a oportunidade de deitar pela primeira vez numa cadeira odontológica.”
Improvisar procedimentos com qualidade é lema do dentista Thiago Toyama nas missões humanitárias. No ano passado ele esteve no sertão e na Amazônia.

Improvisar procedimentos com qualidade é lema do dentista Thiago Toyama nas missões humanitárias. No ano passado ele esteve no sertão e na Amazônia.

Thiago Toyama tem consultório numa travessa da Avenida Paulista, nos Jardins, em São Paulo. Aqui ele resgata sorrisos e a autoestima sertanejos. Helena de Carvalho, 36 anos, era a primeira na fila em Batemaré, comunidade de origem quilombola, em Paulistana. Conversei com ela por mais de meia hora. Durante todo o tempo a agricultora falava com a mão escondendo a boca. Não queria mostrar os dentes da frente, muito comprometidos pela cárie.
Antes e depois de alguns pacientes atendidos na missão médica realizada no ano passado no sertão do Piauí. Fotos Thiago Toyama.

Antes e depois de alguns pacientes atendidos na missão médica realizada no ano passado no sertão do Piauí. Fotos Thiago Toyama.

“O sertanejo é uma pessoa que apesar de não ter a oportunidade de uma vida mais confortável, tem na sua simplicidade, uma garra e uma perseverança que todos deveriam notar e reavaliar suas próprias condições.” Thiago Toyama
Seguir os passos do pai, cirurgião plástico, mas trilhando um caminho próprio. Gustavo Soncini é estudante de medicina. Se forma no final do ano que vem e está na dúvida se depois ingressa no serviço militar voluntário ou encara logo a especialização médica. Aqui no sertão ele integra a equipe de triagem, aferindo pressão e buscando informações clínicas para encaminhar cada paciente ao médico mais indicado. Conversa com uma centena de pessoas todos os dias. E quando o trabalho termina, antes de relaxar, se esforça para fazer o resumo do dia. Informações que publica quando há internet disponível.
IMG-20171101-WA0204IMG_20171030_105529635Entre muitas histórias marcantes, talvez a mais “curiosa” foi vivida numa visita domiciliar. A equipe chegou a casa no final da tarde para avaliar um caso de febre reumática numa criança. A família tinha acabado de abater um carneiro e parte da carne secava pendurada num gancho que pendia do teto da cozinha. Dona “De Jesus”, apelido da dona Maria Luiza de Jesus, recebeu todos com alegria e acompanhou a consulta da filha, a pequena Laurinete, de três anos. Na saída ela quis agradecer. Com desprendimento oferece uma pata do carneiro para uma integrante da equipe, que agradece a gentileza. Mas ela insiste. E insiste! Com toda a sensibilidade que caracteriza Beta Recorder, cineasta e “vegana”, ela consegue fazer a mulher desistir da oferta. Gustavo aparece, e ajuda fazendo uma foto da dona da casa com os tatus de estimação. A história ele compartilhou com todos. A experiência vai usar pelo resto da vida.
Carne de animal abatido seca dentro de casa no sertão nordestino. Foto Gustavo Soncini

Carne de animal abatido seca dentro de casa no sertão nordestino. Foto Gustavo Soncini

Patas de carneiro oferecidas como iguaria em agradecimento ao trabalho da equipe. Foto Gustavo Soncini

Patas de carneiro oferecidas como iguaria em agradecimento ao trabalho da equipe. Foto Gustavo Soncini

Dona De Jesus e os tatus "de estimação" da família sertaneja. Foto Gustavo Soncini.

Dona De Jesus e os tatus “de estimação” da família sertaneja. Foto Gustavo Soncini.

“Acho que todo trabalho voluntário é válido. Mas o sertão tem algo a mais, por tudo o que representa para o Brasil. O sertanejo pode ser resumido a uma palavra: esperança. Agradecendo todos os dias, lutando sempre e nunca desistindo.” Gustavo Soncini
Idade por aqui se conta a partir das vivências. A exemplo dos sertanejos que não parecem dar muita importância para o correr dos anos, os voluntários da Expedição Médica aprendem a viver um dia de cada vez, com as pessoas que estão em volta, fazendo o que é preciso. O senso de urgência, aquele sentimento de querer tudo pra ontem, vai aos poucos sendo deixado de lado, como se tivesse ficado na cidade grande. Correr aqui só se for pra salvar uma vida. Rogério Lupião tem pizzaria em Santos, litoral paulista, mas no sertão resgata conhecimentos de seus 51 anos de idade para ajudar em várias frentes. O engenheiro mecânico é responsável pela consolidação dos números de atendimentos, em cada especialidade. E também colabora com a montagem de óculos para os pacientes que passam pela consulta oftalmológica. A exemplo do ano passado, 300 óculos estão sendo entregues gratuitamente no sertão.
https://youtu.be/p5vgBAJPXQQ
 “O sertanejo hoje é sem dúvida um guerreiro, que luta muito contra tudo que não pode dominar: clima, desgoverno, abandono… mas que vem sucumbindoa isso, infelizmente, da forma mais cruel possível, levando a números alarmantes os índices de suicídio na região.” Rogério Lupião
Encontros. Foi um encontro entre Karina Oliani e a empreendedora Mariana Serra, idealizadora da Volunteer Vacations, que deu origem à primeira expedição médica nesta região do sertão do Piauí, no final de ano passado. Iniciativa que já nos escancara resultados positivos. Na Serra do Inácio, uma das boas surpresas foi abrir a porta da unidade de saúde da comunidade Serra Nova e encontrar mobília novinha, limpeza e a informação de que agora médicos cubanos foram contratados para atender a população duas vezes por semana. No ano passado, a construção recém inaugurada estava fechada por falta de profissionais.
No sertão cada voluntário vive experiências intensas – mas que nos deixam a certeza de que somos todos muito iguais. O que percebo observando jovens carregados de sonhos, profissionais em transição de carreira ou já consolidados no mercado em que atuam, e a gente simples que nos procura todos os dias, é que se queremos ver mudanças sociais ocorrerem a nossa volta precisamos nós mesmos promover a igualdade em cada pequena ação. Quando nos abrimos à imensidade dessa paisagem cinza e seca, fica impossível não se ver num olhar, num sorriso, não se encontrar num abraço sertanejo.
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