Sabe aquele homem com cara de bom moço, com jeito de bom moço… e que é um moço bom? Da pra descrever assim o Roberto Pascoal França. Joinvilense. Publicitário. Bem sucedido na carreira profissional. Mas, aos 36 anos, prefere ser identificado como empreendedor social. E com méritos! Em 2009, já buscava uma vida com mais significado, com propósito. Mudou-se pra África em 2009. Queria novas vivências. Em Angola passou a conciliar trabalho comunitário com a prestação de consultoria comercial. Naquela época, num país pós-guerra, as oportunidades eram muitas e ele soube aproveitá-las. Ficou quatro anos por lá atendendo empresas brasileiras que estavam interessadas naquele mercado. Chegou a manter conversas com o pessoal da Apex-Brasil, a agência de promoção de exportações do governo brasileiro. Finalizo essa breve apresentação com as palavras do Pascoal “mas Gi, tinha um vazio que persistia…”
Conheci e trabalhei com Pascoal no auge da carreira publicitária dele, pouco antes da mudança de país. O reencontrei pra uma conversa num café em Curitiba, antes de uma reunião com investidores do projeto social que agora preenche todo aquele vazio. OMUNGA. No dialeto africano umbundo a palavra significa união, unidade, conjunto. E essa é a grande marca deste ex-publicitário(?). Ele sempre foi bom em mobilizar, em fazer a equipe abraçar uma causa. E a causa dele atual é grande. Levar oportunidade de conhecimento formal, educação, para pessoas que vivem em regiões afastadas e pobres. A inspiração veio quando morava em Angola. Numa das viagens de negócios ao Brasil foi convidado a conhecer o sertão nordestino. Foi. E voltou fascinado. Mas era o momento em que também tinha grandes perspectivas na África, com a possibilidade de uma vaga executiva. Pascoal abriu mão. Decidiu que era hora de acreditar nessa causa maior.
A viagem ao sertão foi emblemática, decisiva. Conheceu aqui no Brasil pessoas que viviam em regiões muito remotas, sem acesso a água, luz, telefone. Aonde havia necessidade de tudo. Foi o pedido de uma garotinha “que só queria livros!” que fez o empreendedor pensar em construir uma biblioteca por lá. Nascia o projeto Escolas do Sertão.
O que parecia um sonho distante foi viabilizado com a criação da grife social OMUNGA. A empresa começou vendendo camisetas em loja virtual. O portfólio agora inclui até panetones… E o objetivo de construir bibliotecas e capacitar professores ganhou voluntários mundo afora.
Em 14 de outubro de 2013 foi inaugurada a primeira biblioteca numa escola pública em Betânia do Piauí, cidade com pouco mais de seis mil habitantes a quase 500 Km da capital, Teresina. Logo a cidade vizinha, Curral Novo do Piauí, se interessou pelo projeto. E a segunda biblioteca foi construída na área rural, na localidade de Baixio dos Belos. Estava efetivada a primeira ação do atual Instituto OMUNGA, o projeto Escolas do Sertão.
“A biblioteca é um símbolo. A camiseta é a marca, a grife. É um jeito de fazer que outras pessoas se sintam parte de tudo isso. Um modismo consciente e um jeito de financiar as atividades.”
A criação do Instituto OMUNGA, em fase de formalização, é a forma que Pascoal encontrou pra viabilizar financeiramente os projetos. Entre 2013 e 2015 foram vendidas 3 mil camisetas a R$ 49,90. Faturamento insuficiente pra dar continuidade às ações. As doações e a troca de serviços com administrações públicas e outras entidades sociais é o que realmente torna tudo possível. Depois do trabalho no sertão brasileiro o olhar desse empreendedor se voltou de novo pra África. Está em fase de conclusão o projeto Livros para África, com a construção de uma biblioteca em Angola, e que deve ser inaugurada nos próximos meses, e outra em Moçambique. Paralelamente está em gestação o OMUNGA na Amazônia. “Com a formalização do Instituto a possibilidade de ter grandes investidores cresce e a meta é concluir os três projetos até 2018. Queremos chegar a cem mil crianças e adolescentes atendidos.” Hoje o OMUNGA beneficia em média 1.500 crianças em cada município em que se instala.”
A estrutura ainda é pequena. Tem apenas uma estagiária, em torno de dez profissionais voluntários fixos que estão presentes com mais frequência, e se revezam de acordo com a natureza do trabalho, e algumas centenas de simpatizantes. A maioria os livros é resultado de doações. Só uma pequena parte é comprada. E aí a busca é em sebos e distribuidoras pra conseguir preço mais baixo. O investimento em cada sede é variável, dependendo do tamanho. Na África, as construções são maiores e contam com investimento de 80 mil euros, doação de uma organização alemã.
“O Escolas do Sertão eu fiz no meu quarto. Sem estagiário, sem sala, nada. Só com uma loja virtual… Teve uma época que eu dormia com pilhas de caixas em cima de mim porque as camisetas ficavam no meu quarto. O Livros para África já tem escritório, tem estagiária… O OMUNGA na Amazônia eu vou lançar com o Instituto. No futuro quero licenciar a grife, para que seja outra forma de levantar recursos para o Instituto OMUNGA e que me proporcione algum rendimento porque é nessa área e projeto que quero atuar. A OMUNGA é a minha vida.”
Livros que conversam
Cada biblioteca tem entre 100 e 150 metros quadrados. Possui em torno de cinco computadores, kit multimídia, materiais pedagógicos, pelo menos um dorso humano, mapas, jogos educativos. E abre com aproximadamente 2 mil livros. Os títulos são escolhidos com ajuda de pedagogos voluntários, que viajam até a comunidade para conhecer a realidade e conversar com a população local. Em foco, a leitura infantil e infanto-juvenil. O grande desafio é fazer o adolescente ingressar e continuar frequentando as aulas do ensino fundamental e médio. E como só deixar livros novos não promove qualquer mudança, o Instituto Omunga trabalha com voluntários e parceiros – como a FATUM Assessoria Educacional de Curitiba e a Associação Cultura Franciscana, com sede em São Paulo – num programa de formação com os professores e gestores da área educacional. “Porque as cidades onde atuamos são pequenas, que terão no máximo 100, 150 professores. Então, nós conseguimos dar formação pra todos os profissionais e de forma contínua.” Por ano os voluntários viajam pra essas regiões de três a quatro vezes. É a oportunidade pra também ir ampliando e renovando o acervo com novos títulos didáticos e técnicos.
Em fevereiro último, durante o encontro de formação de lideranças em educação no sertão do Piauí, foram levados novos livros para cada uma das bibliotecas já em funcionamento. Todos catalogados por bibliotecárias voluntárias. Livros que vão ao encontro do perfil da população, de acordo com a realidade local. Uma vez por ano a bibliotecária faz uma faxina no local. “Ideia é manter a interação com a comunidade, diferente das bibliotecas públicas que possam já existir na cidade.” A partir da formação com os professores o uso começa a ser mais regular por diferentes públicos.
Um exemplo são os livros de sexualidade, algumas dúzias, comprados a partir de conversas com as famílias, alunos e professores de Betânia do Piauí e Curral Novo do Piauí. Os títulos foram pensados e vão sempre variar de acordo com a realidade local. No Piauí há um problema muito forte com a sexualidade em todos os aspectos, gravidez precoce e com o ciclo da pobreza. Pascoal reforça que na África, apesar dessas questões também estarem presentes, há uma demanda maior por leitura técnica. Os jovens e moradores querem aprender sobre empregabilidade principalmente. Pergunto sobre o acervo que será disponibilizado na Amazônia e a resposta é fácil. Pelas conversas iniciais as questões mais ligadas a ecologia e conservação da biodiversidade são fortes. Intenção então é buscar autores infantis e juvenis que falam de animais, plantas, relações com a floresta.
Aprendizado em mão dupla sempre
Baixio dos Belos é o nome da localidade rural em Curral Novo do Piauí onde fica uma das bibliotecas do Escolas do Sertão. Um povoado afastado do centro da cidade. A energia elétrica chegou lá só em dezembro do ano passado. As famílias ainda moram em situação de quase isolamento. “Eu tive a ousadia de pegar umas trinta crianças dessa região, colocar num caminhão e levar pra tirar fotos. E disse aos pais que voltaria logo. O vai ali e já volta deles é de no máximo vinte minutos. Nós demoramos três horas. Os homens tinham saído a cavalo, de moto e espingarda atrás de mim… achavam que nós tínhamos roubado os filhos… E aquelas crianças nunca tinham saído dali. Quando chegaram ao centro da cidade, naquele minúsculo complexo urbano, elas não acreditavam no que viam…”
A partir de agora o objetivo é manter um projeto no Brasil e outro no exterior, sempre intercalando. Em dez anos ficará claro que o grande legado será no Brasil. Pascoal fez questão de destacar isso na palestra que ministrou no começo de abril como convidado do TEDxBlumenau, em Santa Catarina. Foi a oportunidade de explicar que não trabalha apenas para vender camisetas. E que a formação continuada de professores é o principal instrumento para a transformação social!
“As pessoas me perguntam muito porque a África? Por não aqui? Por que o sertão? Ideia é trabalhar junto a pessoas pobres em situação também de isolamento. Aqui em Curitiba ou Joinville tem pobreza, mas a periferia fica perto, é muito mais fácil de ser atendida do que quem vive em Betânia do Piauí…”
Compartilhar as experiências que coleciona a partir da vivência em diferentes ambientes e com culturas tão ricas e diversas é o propósito. A apresentação no TEDxBlumenau foi só o começo dessa carreira de palestrante. Roberto Pascoal trouxe pro palco suas experiências com a desigualdade social e a falta de oportunidades em regiões de extrema carência no Brasil e na África, além de sua paixão por promover um mundo melhor por meio da educação. Conhecimento que inspira. Paixão embasada ee que nos leva a refletir. Quase um desafio. O que você está fazendo pra também ter uma vida com propósito e significado?
E o empreendedor social nos deixa uma grande lição. “O nosso conhecimento e formação não vale nada se a gente não somar com a vivência e sabedoria deles (pessoas atendidas).” Qual a sua escolha?
Créditos de fotos para fotógrafos voluntários Daniel Machado (Sertão do Piauí) e Max Schwoelk (África).
Vanessa Brollo /
Ahhh adorei essa história! Que projeto lindo, que linda história de vida. Nos faz pensar mesmo no que estamos fazendo para ter uma vida com mais propósito. Obrigada por compartilhar esse lindo exemplo.
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Gislene Bastos / Autor /
Oi Vanessa!
Eu que agradeço a sua visita e reflexão…
Beijo
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