Poucos produtos conseguem ser tão representativos de um povo como a erva-mate, que se confunde com a identidade do Sul do país. Líder em consumo, a região também é a maior produtora. Cento e oitenta mil agricultores vivem do plantio do conhecido “ouro verde” nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, extremo sul de São Paulo e no Mato Grosso do Sul. Aproximadamente 80% da produção brasileira, estimada em 860 mil toneladas por ano, ficam no mercado interno. E desse total 96% são consumidos na forma de chimarrão. Nos países vizinhos a planta é nativa nas províncias de Misiones, Corrientes e Tucumã, na Argentina; e no Paraguai, entre os rios Paraná e Paraguai.
A erva-mate é o principal produto não madeireiro da produção florestal no Sul do País, conforme dados de 2016 do IBGE, com mais de 80% do cultivo em propriedades de até 20 hectares. Com forte ligação com a agricultura familiar, o setor tem dificuldades de crescimento por causa da forma como é produzida e beneficiada a matéria-prima. O nível técnico dos plantios e do beneficiamento varia entre uma minoria de produtores e indústrias com excelentes práticas e obtendo resultados crescentes, e muitos outros em condições rudimentares. O Diagnóstico da Cadeia Produtiva da Erva-mate, publicado em janeiro de 2018 pelo Instituto Brasileiro de Erva-mate (Ibramate), mostra que as exportações de erva-mate totalizaram US$ 82,3 milhões em 2016. Uruguai, Estados Unidos, Chile e Alemanha foram os maiores importadores.
Fonte de mais de 200 compostos diferentes a erva-mate tem tudo para conquistar consumidores exigentes. Em mercados que valorizam alimentação natural e produtos não tóxicos, como América do Norte e Europa, a procura por bioativos com propriedades terapêuticas está em crescimento. E permite que o arbusto nativo das terras do Sul recupere a condição de ouro verde – agora com base em novas propostas de aproveitamento e consumo. Além do chimarrão tradicional, do tererê e na forma de chá mate, o substrato da erva-mate ganha espaço em diferentes áreas a partir do desenvolvimento de plantas com teores conhecidos de caféina e outros componentes de interesse da indústria, como a teobromina e os compostos fenólicos, que são antioxidantes naturais.
Na sede da Embrapa Florestas, em Colombo, região metropolitana de Curitiba, no Paraná, as pesquisas com a erva-mate tem mais de três décadas. Os pequisadores estudam melhoramento genético, formas mais eficientes de manejo para ampliar a produtividade e possíveis novos aproveitamentos dos ativos da planta. “A erva-mate hoje tem uma média de produtividade em torno de 8 toneladas por hectare por colheita. Só que nas áreas experimentais e nos plantios comerciais com bom nível tecnológico essa produtividade sobe para o patamar de 20 t/ha por colheita”, exclarece o engenheiro agrônomo Ives Goulart, um dos autores do Erva 20 – sistema de produção da erva-mate.
O manual reúne o conjunto de pesquisas e boas práticas validadas pela Embrapa Florestas em ervais já plantados, ou em implantação, com o objetivo de aumentar a eficiência e a sustentabilidade do cultivo de erva-mate. A cultura tem grande potencial de crescimento para o produtor a partir da adoção de melhores práticas de produção, como plantio, poda, adubação, controle de plantas daninhas, renovação do erval. “Isso sem nem contar todo o avanço possível com o melhoramento genético dos cultivares.”
Boas práticas para a erva-mate, conforme o Erva 20:
- produção de mudas por sementes e por propagação vegetativa
- qualidade das mudas
- cultivares comerciais
- implantação
- adubação do erval
- controle de plantas daninhas
- cobertura do solo
- sistemas de podas
- renovação do erval via decepa e rebaixamento
- sistemas de cultivo de erva-mate plantada
- controle de doenças e de pragas
- cronograma das práticas de manejo
Nenhuma dessas práticas sozinha garante o aumento de produtividade. “É necessário adotar um conjunto de práticas de manejo e associar com a adubação, ainda muito negligenciada pelo produtor de erva-mate.” Segundo o engenheiro agrônomo, menos de 15% dos produtores fazem a adubação recomendada para o cultivo “e quando acontece é feita sem análise de solo, sem recomendação de produtos e sem resultados efetivos.” Outro exemplo é a própria poda. No passado as podas eram realizadas a mão ou com facão, e retirava-se todas as folhas a cada evento de colheita. “A pesquisa mostrou que isso não era saudável para a planta. A recomendação hoje é fazer a poda com tesoura e manter pelo menos trinta por cento das folhas nas erveiras.” A medida garante brotação mais rápida e a próxima colheita em menor tempo, orienta Ives. No vídeo abaixo, confira a orientação dos pesquisadores da Embrapa Florestas.
Cada variedade produzida no plantio teste da Embrapa é cuidadosamente estudada em laboratório. Índices naturais de cafeína acima de 2% são considerados altos. Segundo a pesquisadora Cristiane Helm, nos estudos realizados pela equipe já foram identificadas plantas que apresentam naturalmente teores de até 3%. Um dado animador!
A genética da planta é responsável por 60% da quantidade de cafeína presente na erva-mate. O pesquisador Ivar Wendling, da mesma unidade de pesquisa, defende que ao adotar algumas ações de manejo e cultivo diferenciado é possível ampliar para até 5% a presença natural de cafeína na erva-mate.
A partir da identificação de árvores-matrizes com boa produtividade e características de interesse do mercado consumidor, é feita a clonagem desssas árvores pela técnica de miniestaquia. A produção das mudas pode ser em viveiro, canteiro ou com placas de proteção. “O plantio em condições controladas ajuda o produtor a atender nichos de mercado e assegura maior qualidade e padronização ao produto.” Há dez anos, segundo Ivair, era muito mais difícil trabalhar com clones dos materiais selecionados de forma eficiente por causa dos baixos índices de enraizamento e da qualidade do sistema radicular. “Foram quatorze anos de pesquisa até definir um protocolo que garante esta tecnologia aos viveiristas e produtores.”
A cafeína integra o grupo das metilxantinas, substâncias encontradas em diversas plantas e que são reponsáveis pelo sabor amargo e pelo efeito psicoativo, com alto poder estimulador do sistema nervoso central. Mas a planta também se destaca na obtenção de teobromina, da família das metilxantinas e com efeito diurético, muito usada em dietas para perder peso e diminuir o inchaço. Compostos fenólicos, como os flavonóides, com ação preventiva e curativa por causa da ação antioxidante não enzimática, também integram a pesquisa e podem revolucionar o aproveitamento comercial da erva-mate.
Na culinária ela já está presente em receitas de bolo e sorvetes. Tem até cerveja de erva-mate! Por causa do alto teor de cafeína, o segmento de energéticos é dos mais promissores. Há demanda internacional pelo composto, mas falta produção interna para consolidar a comercialização. Uma revolução está em andamento e começa a atrair a atenção dos produtores. É necessário mudar a forma de produzir para potencializar as novas formas de consumo. O sistema de cultivo tradicional ainda tem pouco ou nenhum melhoramento genético e forte extrativismo em áreas de ocorrência natural. Folhas e galhos colhidos geralmente vão do produtor direto para a ervateira que beneficia a produção.
MANEJO MAIS EFICAZ
Em General Carneiro, no sul do Paraná, o empresário e produtor Márcio Pizzatto investe num modelo mais sustentável. A produção centenária de erva-mate da família com base no manejo dos ervais nativos dentro da Fazenda Água Viva, vai cedendo espaço para o plantio que promete mais ganho financeiro, respeito ambiental e alinhamento com o mercado de consumo. O projeto começou a ser implantado há um ano e meio e segue as orientações da Embrapa Florestas, numa antiga área de plantio de pinus. Mais dois anos e serão 45 hectares destinados ao cultivo de erva-mate de maior valor agregado. A meta é vender a colheita para as indústrias de cosméticos e bebidas.
O produtor já observa que as plantas se desenvolvem de forma mais rápida e homogêna que no modo tradicional. “A expectativa é que a gente chegue ao mínimo de 20 mil quilos de erva-mate por hectare, a cada período médio de dezoito meses dependendo das aplicações de adubo e do clima”. Márcio também está apostando que a lucratividade da propriedade vai ser maior, ao se tornar mais eficiente e com produto mais competitivo no mercado. Veja como foi a implantação desse novo erval no vídeo.
MUITO ALÉM DO CHIMARRÃO
Os possíveis aproveitamentos da erva-mate só aumentam à medida que os estudos avançam e ampliam o valor agregado da planta. Da cafeína podem surgir novas bebidas e alimentos energéticos ou descafeinados. Com a teobromina da para produzir relaxantes musculares, diuréticos e vasodilatadores. Já os compostos fenólicos, os flavonóides, que são antioxidantes, trazem benefícios para a saúde, aprimoram a composição nutricional e sensorial dos alimentos e ajudam na conservação deles. E tem ainda a saponima, utilizada em produtos de limpeza e em rações animais.
Novos aproveitamentos da erva-mate pela indústria:
CAFEÍNA: bebidas e alimentos energéticos ou descafeinados
TEOBROMINA: relaxantes musculares, diuréticos e vasodilatadores
COMPOSTOS FENÓLICOS: alimentos funcionais e na conservação de alimentos
SAPONINA: produtos de limpeza e em rações animais
“A pesquisa genética busca obter matéria-prima que apresente naturalmente o teor desejado da substância almejada comercialmente, com base nos cultivares desenvolvidos pela Embrapa”, complementa Cristiane Helm ao destacar que a perspectiva é criar nichos de mercado. Os produtos de apelo mais saudável a partir da presença dos compostos bioativos com propriedades terapêuticas presentes na erva-mate tem demanda crescente de consumo. “A erva-mate pode seguir o mesmo caminho do café, que hoje é encontrado com diferentes teores de cafeína ou descafeinado.”
E a criatividade não tem limites. Além das pesquisas desenvolvidas pela Embrapa Florestas, a erva-mate é objeto de estudos e matéria-prima para novos produtos Brasil afora.
No Rio de Janeiro uma startup está usando a planta na produção de um pigmento orgânico. O verde erva-mate foi incluído na paleta de cores da marca Mancha, que também conta com produtos à base de cacau, açafrão e urucum. As tintas podem ser oferecidas em escolas e ao consumidor final, uma vez que não oferecem risco de intoxicação, nem poluem o meio ambiente. Segundo um dos sócios da Mancha Orgânica, Amon Costa, a tinta de erva-mate é a primeira da empresa a ser estruturada dentro de uma cadeia de beneficiamento e manejo responsável. A marca está há sete anos no mercado e lançou a nova tinta no ano passado. Funcionando dentro da Incubadora de Empresas da Coppe/UFRJ, a startup só trabalha com produtos livres de metais pesados e derivados de petróleo.
Em Maringá, a Casulo Feliz trabalha com produção de fibras de seda diferenciadas e com o tingimento natural das peças. A erva-mate é a materia-prima escolhida para obtenção de tonalidades de verde. A empresa familiar vende para grifes nacionais e internacionais.
DE ORIGEM COMPROVADA
O lugar de onde vem um produto também diz muito sobre ele. E a erva-mate de São Mateus do Sul, a 156 Km de Curitiba, tem certificação de Controle e Rastreabilidade nas Indicações Geográficas e Marcas Coletivas, do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Produtos que detêm Selo de Indicação de Procedência consequem se destacar no mercado com estratégias de posicionamento no mercado diferenciadas, acesso a novos consumidores e incremento de até 30% no preço final, em média. Em São Mateus do Sul são 3.500 produtores de erva-mate, dez mil na micro região, com possibilidade de acesso ao sistema de gerenciamento, controle e rastreabilidade para o setor ervateiro.
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Gislene Bastos / Autor /
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